20 janeiro 2009

Amizades et cetera

O caro Insano (Sanatorium) fez o seguinte comentário no texto anterior, sobre Foucault: “Incrível esse comentário do Foucault sobre o silêncio. Eu prefiro, na maioria das vezes, aproveitar os momentos com pessoas queridas para mim apenas através do silêncio e contemplação. Não vejo e não tenho nenhuma necessidade de falar o tempo todo. O conjunto de ações, atitudes e expressões de uma pessoa é muito melhor e mais verdadeiro do que as palavras. Interessante notar também que essas relações de amizade em que o silêncio é presente são muito propícias à contemplação de modo geral. Às vezes, nesses momentos, tenho a impressão que as mentes dos envolvidos trabalham em conjunto e harmonia, como se comunicassem, pensando, se não sobre a mesma coisa, pelo menos se complementando.”

Acho esse comentário muito pertinente e vem, inclusive, de encontro com algumas questões sobre as minhas amizades que têm sido freqüentes nos meus devaneios cotidianos. Nos últimos tempos tenho percebido que o meu circulo imediato de amizades se reduz a pouquíssimas pessoas, até aí tudo bem uma vez que isso sempre foi uma constante. Mas o ponto em que acho interessante é de como as minhas amizades do referido círculo são recentes. Destes grandes amigos, por quem tenho verdadeira admiração, respeito, enfim amizade; nenhum eu conheço a mais de 5 anos!? Não nos tornamos amigos só pelo convívio, pela vizinhança ou coisa que o valha. Tornamo-nos amigos pela empatia, por interesses semelhantes, por idéias e problemas que se comunicam, embora sejamos muito diferentes uns dos outros e com histórias e experiências de vida distintas.
Ficaram, dessa forma pelo caminho amigos de longa data, companheiros de anos de escola. Pessoas queridas e importantes na minha vida, no entanto não faz mais sentido mantermos uma amizade direta uma vez que não “compartilhamos o mesmo mundo”. Para muitos daqueles amigos (hoje menores) eu me tornei uma pessoa estranha, distante, e isso de fato aconteceu... Penso que houve entre mim e estes últimos uma espécie de distanciamento psíquico, instaurou-se entre nós divergências enormes, rupturas e fissuras que até o maior sentimento de tolerância não seria capaz de atenuar. (Não sou uma pessoa de fácil trato, mas ouvir sertanejo e funk só para ‘pegar’ mais garotinhas é algo que não me entra na cabeça...) Mesmo assim os quero bem e sei que eles a mim.

Bom, escrevi isso em um arrombo de sentimentalismo exacerbado. Então aos meus grandes amigos agradeço por me proporcionarem a oportunidade de uma interlocução sincera e inteligente!

Michel Foucault. Esse é o nome do pensador que me tem “tirado o chão” como bem definiu o meu orientador de TCC ao conversarmos sobre a laboriosa teia de conceitos traçada por Foucault em diversas áreas do conhecimento. Aliás, essa maleabilidade teórica que o permitiu escrever sobre temas diversos como a psiquiatria e o Direito entre outras, se tornou o mote para que muitos o apedrejassem. Pós-moderno, afirmam peremptoriamente. No entanto nem o próprio Foucault achava pertinente ou valido um conceito com a “pós-modernidade”. Um Historiador do Pensamento como ele mesmo se definia, para aqueles que precisam de definições e ‘tags’, Foucault foi isso.


“Certos silêncios podem implicar em uma hostilidade virulenta; outros, por outro lado, são indicativos de uma amizade profunda, de uma admiração emocionada, de um amor. Eu lembro muito bem que quando eu encontrei o cineasta Daniel Schmid, vindo me visitar, não sei mais com que propósito, ele e eu descobrimos, ao fim de alguns minutos, que nós não tínhamos verdadeiramente nada a nos dizer. Desta forma, ficamos juntos desde as três horas da tarde até meia noite. Bebemos, fumamos haxixe, jantamos. Eu não creio que tenhamos falado mais do que vinte minutos durante essas dez horas. Este foi o ponto de partida de uma amizade bastante longa. Era, para mim, a primeira vez que uma amizade nascia de uma relação estritamente silenciosa. É possível que um outro elemento desta apreciação do silêncio tenha a ver com a obrigação de falar. Eu passei minha infância em um meio pequeno-burguês da França provincial, e a obrigação de falar, de conversar com os visitantes era, para mim, ao mesmo tempo algo muito estranho e muito entediante. Eu me lembro de perguntar por que as pessoas sentiam a obrigação de falar. O silêncio pode ser uma forma de relação muito mais interessante.”


Trecho de Michel Foucault. An Interview with Stephen Riggins", ("Une interview de Michel Foucault par Stephen Riggins) realizada em inglês em Toronto, 22 de jun de 1982. Traduzido a partir de FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994, Vol. IV, pp. 525-538 por Wanderson Flor do Nascimento.

18 janeiro 2009

Let it Be

Uma puta versão de Let it Be em uma das cenas mais emocionantes do filme Across the Universe. Quem não assistiu a esse filme/musical vale à pena fazê-lo, embora tenha cenas demasiadamente chatas e em alguns casos desnecessárias (em minha opinião, é claro) é um bom retrato de um período muito psicodélico da história contemporânea. Além do mais só por ter Beatles como trilha é sem explicação.


16 janeiro 2009

Nostálgico

Me lembro que no ano passado neste mesmo período do ano, dois grandes amigos e eu vivíamos em uma constante ebulição criativa, um orgasmo permanente de idéias (esse acento não é adequado segundo a reforma ortográfica, mas...). Hoje me lembro com saudades (sentimento costumeiro e de certa forma imanente a mim) daqueles dias, ou melhor das noites de infindáveis devaneios alcoólicos, dos debates intensos a respeito de literatura e cinema, de Dostô, Sade e Tarkovsky, dos videozinhos do Gerald Tomas... Foi um tempo de Homens Elefantes aquele... Nostalgia. Mas como dizem por aí, a vida continua, e após uma temporada infecunda (de pouca ou quase nenhuma produção textual) um de nós, velhos esquizóides carmelitanos, voltou a produzir.

O conto que postarei logo abaixo tem um grande significado para mim. Ele celebrará, de certa forma, o (re) encontro dos solitários Lobos da Estepe na noite de hoje.



Terapia Ocupacional para um Suicida


O mundo é uma trepada. Vivemos em um organismo vivo que pode a qualquer momento nos expelir com força pra cair no chão e depois secar. Todo tipo de lixo já foi dito sobre o que é certo e errado, sobre o que devemos fazer pra nos sentirmos felizes. O pior é que tudo foi vomitado com propriedade pelos chamados entendidos. Mas sejamos francos e admitamos que não se pode afirmar nada sobre porra nenhuma. O que vai acontecer no futuro? Foda-se!

Sou um marginal muito sofisticado, de cabeça febril, do tipo que acorda todos os dias e se questiona se vale a pena levantar pra viver. Um cara esquisito, escravo de suas neuroses infindáveis. Tenho em mim uma força monumental, destruidora, e essa força vai um dia me levar a cometer atos um tanto pecaminosos. De marginal a delinqüente, um bandido perseguido, assassino e déspota. Vou destruir tudo e aqueles que sobrarem vão ser abatidos ali mesmo. Quero me dedicar ao exercício do poder, ser herói pra mim mesmo e ninguém mais.

É então que me corto sem pudor, uso navalha bem afiada pra não deixar dúvida. Daí tomo centenas de pílulas pra não escapar. Deito sangrando, boca aberta respirando ofegante. Não digo nada, só espero. Faço o que quiser com o que é meu. Esse corpo já era. Quero ver quem vai me impedir. Mas aí eu apago e sou salvo pelos desgraçados que me levam pra droga de um hospital, onde fico sedado vários dias, delirante. Sonho as coisas mais escabrosas, parece que estou já no inferno.

A cama sangra. Meu corpo ainda quente sente a presença de toda a ralé que tenta acudir, consolar, sei lá o quê. Sou observado e fazem comentários piedosos a meu respeito. Ali sou o homem elefante, a besta de circo que todos até pagariam pra ver. Enfermeiros, médicos, visitantes, curiosos, mulheres voluptuosas, pederastas, crianças enfermas, cadáveres, todos passam. Parece que se deliciam.

Ali sou um cristo, a própria imagem da morte. Meus lábios pronunciam coisas sem sentido algum. Quero me libertar de todo o martírio e me erguer. Ser homem de verdade, casa e filhos, mulher e amante. Ainda estou atado, sangrando muito. Meus olhos por vezes se abrem pra ver o espetáculo. Vou ter um infarto. Quanta merda literal ou não perto de mim!

Toco o meu sexo, sentindo certo tesão. Olho lascivo pras enfermeiras ali, que de certa forma retribuem o olhar, voluptuosas. Tenho uma vontade imensa de foder agora, é como se a volta dos mortos tivesse recriado o meu pênis. Um membro permanentemente ereto, acusador em sua imponência, uma metralhadora de sêmen ambulante, pronta para o ataque. Vou estuprar alguém assim que...

Pros infernos com todos! Deixem-me em paz, seus filhos da puta! Por que não posso simplesmente existir sem ser notado? Não estou em nenhuma vitrine para ser avaliado dessa forma. Vocês não podem me comprar, tenho os meus princípios, a minha dignidade, embora um tanto prostituída. Já não tenho alma e sou filho do nada.

Soco a enfermeira na boca e a jogo no chão. Chuto sua cabecinha de boqueteira até sangrar e eu me excitar demais. A outra só olha horrorizada e não diz nada, decerto com medo de apanhar também. Largo a sua puta amiga no chão e apalpo os seus seios fartos com vigor, até doer. Ela grita e eu cuspo na cara dela. Dou uma risada e saio.

Tenho sangue nas mãos e barba na cara. Sou um homem. Sou aquele pelo qual todos sempre esperaram. Sei de coisas que todos ignoram e assim preferem continuar. Trago a peste, a melancolia, o choque. Destruo o que quiser a qualquer momento e saio ileso. A desgraça permeia o meu ser.

Saio do hospital e a vejo. Ela me olha pasma. Estranha o meu aspecto doentio. O que quer de mim essa mulher? Já não basta ter roubado a minha vida, desestruturado a minha psicose habitual? Lembro-me quando ela surgiu, e tão rápido se foi. Seus lábios parecem pronunciar algo de terrível, que de fato não consigo compreender. Estou me lixando pro que ela diz, aposto que é banalidade. Mas ela chora. Eu cada vez mais indiferente e cruel. Adeus.

Preciso de uma ocupação. Uma terapia viria a calhar. E é assim que caminho, sempre em frente. Todo o passado agora é lixo.

Que belas as meninas que passam. Estudantes. Carregam seus objetos escolares e tagarelam. Surjo como um bicho e elas se espantam. Corro atrás tipo um leão faminto. Elas acabam se dispersando e eu ainda louco. Uma fica pra trás. Já era.

Sento-me num banco de jardim, satisfeito. Minha auto-estima está bem melhor. Sou capaz de dominar uma mulher facilmente. Esses seres não têm qualquer poder sobre mim, não mais. Não podem me consumir, sou só eu sem ninguém. Onde estou, sou inatingível. Tenho uma aura indestrutível que só sabe massacrar. É um escudo e um estado.

Na verdade a minha vida sempre foi miséria. Nunca senti que estava vivo, e agora ainda menos. Sou ridículo e desprezível. Minha alma grita solitária e morre aos poucos. Desamparado em uma terra desconhecida, isso sou eu. Meu coração funciona como que por puro instinto. Estou em um caixão fechado, sempre pronto para ser cremado. Aguardo as chamas que me consumirão e derreterão o meu ser decadente. Fecho os olhos e tento imaginar algo menos trágico, quando me sentir digno de viver. Quando puder viver, ser e sentir.

Caminho febril, tropeço às vezes. Não caio por teimosia. Pertenço ao subsolo, minha morada acolhedora. Não há lugar pra mim onde possa respirar. Quero um exorcismo, urrar alucinado para os céus e voar. Vou começar a correr sem jamais me cansar. Destruirei todas as fronteiras, serei perpétuo.

Quanta morte, agonia e dor. O desespero incurável. Infecto a todos com a minha doença, uso seringa e faca. Arranco as entranhas daqueles que não querem me dar passagem e também dos que me abandonam continuamente. Miserável em meu âmago, nulo em minha angústia.

Vou matando e errando. Estripo os trabalhadores e decapito os animais vadios. Corto pescoços de senhoras de meia-idade. Derrubo latas de lixo e quebro vidros. Ateio fogo aos lares. Derreto cruzes só com o olhar. As crianças correm chorando e vão buscar consolo nos braços de suas mães. Os pais olham indiferentes, mas depois se irritam com essa demonstração de fraqueza de seus varões. Os padres fazem o sinal-da-cruz mecanicamente e em seguida adentram as suas moradas suntuosas. Gestantes parecem ansiar pelo fim, não querem propagar a desdita.

Sou eu o agente do apocalipse. Todos os infelizes podem vir a mim que serão atendidos. Tenho a felicidade etérea para distribuir em infinitas proporções. Liberto a todos e a mim. O mundo é ódio, é busca por territórios. Tornarei a Terra um local menos inóspito.

Entro em uma igreja e me sento. Vejo Jesus lá em cima. Ele também fui eu que matei. Tenho ânsias de chorar, mas me contenho. Sei que não tem volta para esse crime. Minha consciência é maior do que eu mesmo. É minha esposa e filha, meu sangue e espírito. Entrego meu corpo ao abismo e deixo os vermes se fartarem. Não tenho nada. Sou o nada. Subo no altar e abro os braços. Ensangüentado e cheio de piedade. Não consigo conter a tristeza por saber que o meu pai é feito de gesso. Toda a esperança está dizimada.

Não suporto mais viver em um mundo de animalidade pura, onde o dinheiro é deus. Sem afeto, sem amor. O que conta são as coisas superficiais, e a essência do indivíduo é anulada. Quero incendiar o mundo com o meu ardor, essa paixão incontida que torna tudo possível. Tenho ânsias de vivenciar o âmago de toda a vida, sem restrições, estando permanentemente em êxtase pelo simples fato de ser. Quero viver, mesmo estando morto. Desejo readquirir essa vitalidade, essa energia intensa da qual fui originalmente dotado. Talvez seja tarde demais, pois a minha corrupção é hedionda, minha sobrevivência o meu martírio. Que a terapia continue.

Passo por uma escola e rio. Vejo todos escandalizados comigo. Aproximo-me e cuspo. Urino em livros, corto o meu rosto com estiletes. Estou já só. Atiro carteiras para fora da janela e acerto muitos na cabeça. Desnudo-me e deito. Evacuo em cima da mesa do professor. No quadro-negro, a mensagem que deixo é bem clara: "Todos contra mim".

Na rua continuo a minha saga de destruição. Quebro vidros de carros e os incendeio. Agrido os transeuntes violentamente e lambo o sangue em minhas mãos. Pareço uma fera lasciva e insaciável. Sou a personificação do caos, um demônio de feições humanas que ninguém pode conter. Piromaníaco, repulsivo e louco. Meu espetáculo é o mais apoteótico de todos os tempos. Agora sim canalizo a minha energia para as coisas certas, para o que sempre quis. Minha respiração tem no momento um sentido, mantém-me vivo para o que de fato tenho de fazer. É a minha natureza em sua plenitude. Esse sou eu.

Caminho contente para o meu destino. Retornarei para o lugar de onde jamais deveria ter saído. Entro no cemitério para abraçar os meus entes queridos. Violo a sepultura de minha família com avidez. Ali me deito ao lado de meus antepassados e sinto-me finalmente em paz. Sei que não serei mais incomodado e que não terei mais pensamentos perturbadores. Não matarei os meus sentimentos nobres nem os desperdiçarei com pessoas indignas. Não sofrerei mais.

Fecho os olhos.

(Flávio Monteiro)

15 janeiro 2009

Les Invasions Barbares

"A história da humanidade é uma história de horror"


Balanço parcial das férias: Manhãs de sono (quase) profundo; tardes demasiadamente longas; noites de pura inquietação; madrugadas hilárias promovidas pelo Fala Que Eu Te Escuto. Enfim, livros interrompidos, pilha de filmes não assistidos; viagens abandonadas; galhofa semanal com os amigos.

Imaginemos, portanto

Acabo de ler em mais de um portal de noticias que os ataques israelenses em Gaza já totalizam mais de mil mortes, a grande maioria desses são de civis. Treze foram os mortos contabilizados pelos israelitas, dez eram militares. É uma situação chocante, não há como permanecer apático ou não revoltar-se com tamanha desrespeito a Humanidade. Fico com a sempre (ou quase sempre, se preferir) consciente e sensata argumentação de Saramago:


Imaginemos
Imaginemos que, nos anos trinta, quando os nazis iniciaram a sua caça aos judeus, o povo alemão teria descido à rua, em grandiosas manifestações que iriam ficar na História, para exigir ao seu governo o fim da perseguição e a promulgação de leis que protegessem todas e quaisquer minorias, fossem elas de judeus, de comunistas, de ciganos ou de homossexuais. Imaginemos que, apoiando essa digna e corajosa acção dos homens e mulheres do país de Goethe, os povos da Europa desfilariam pelas avenidas e praças das suas cidades e uniriam as suas vozes ao coro dos protestos levantados em Berlim, em Munique, em Colónia, em Frankfurt. Já sabemos que nada disto sucedeu nem poderia ter sucedido. Por indiferença, apatia, por cumplicidade táctica ou manifesta com Hitler, o povo alemão, salvo qualquer raríssima excepção, não deu um passo, não fez um gesto, não disse uma palavra para salvar aqueles que iriam ser carne de campo de concentração e de forno crematório, e, no resto da Europa, por uma razão ou outra (por exemplo, os fascismos nascentes), uma assumida conivência com os carrascos nazis disciplinaria ou puniria qualquer veleidade de protesto.
Hoje é diferente. Temos liberdade de expressão, liberdade de manifestação e não sei quantas liberdades mais. Podemos sair à rua aos milhares ou aos milhões que a nossa segurança sempre estará assegurada pelas constituições que nos regem, podemos exigir o fim dos sofrimentos de Gaza ou a restituição ao povo palestino da sua soberania e a reparação dos danos morais e materiais sofridos ao longo de sessenta anos, sem piores consequências que os insultos e as provocações da propaganda israelita. As imaginadas manifestações dos anos trinta seriam reprimidas com violência, em algum caso com ferocidade, as nossas, quando muito, contarão com a indulgência dos meios de comunicação social e logo entrarão em acção os mecanismos do olvido. O nazismo alemão não daria um passo atrás e tudo seria igual ao que veio a ser e a História registou. Por sua vez, o exército israelita, esse que o filósofo Yeshayahu Leibowitz, em 1982, acusou de ter uma mentalidade “judeonazi”, segue fielmente, cumprindo ordens dos seus sucessivos governos e comandos, as doutrinas genocidas daqueles que torturaram, gasearam e queimaram os seus antepassados. Pode mesmo dizer-se que em alguns aspectos os discípulos ultrapassaram os mestres. Quanto a nós, continuaremos a manifestar-nos.

09 janeiro 2009

O meu Guri

Sempre que os telejornais noticiam a morte de algum jovem ou adolescente favelado (não gosto dessa expressão, mas...) em decorrência das mal planejadas ações policiais de caça a traficantes, eu me lembro da música O Meu Guri composta pelo Chico Buarque. Chega a ser realmente impressionante como não consigo desassociar a cena daquelas mães desesperadas, clamando por justiça (?) dessa música. A trilha sonora perfeita para o drama ideal, avalio.


Quando, seu moço
Nasceu meu rebento
Não era o momento
Dele rebentar
Já foi nascendo
Com cara de fome
E eu não tinha nem nome
Prá lhe dar
Como fui levando
Não sei lhe explicar
Fui assim levando
Ele a me levar
E na sua meninice
Ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí! Olha aí!




Olha aí! Olha aí!

Olha aí!

Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!


Chega suado
E veloz do batente

Traz sempre um presente
Prá me encabular

Tanta corrente de ouro
Seu moço!
Que haja pescoço
Prá enfiar
Me trouxe uma bolsa
Já com tudo dentro
Chave, caderneta

Terço e patuá
Um lenço e uma penca

De documentos
Prá finalmente
Eu me identificar

Olha aí!



Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!


Chega no morro
Com carregamento
Pulseira, cimento
Relógio, pneu, gravador

Rezo até ele chegar
Cá no alto
Essa onda de assaltos
Tá um horror
Eu consolo ele
Ele me consola
Boto ele no colo
Prá ele me ninar
De repente acordo

Olho pro lado

E o danado já foi trabalhar
Olha aí!


Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!

Chega estampado

Manchete, retrato
Com venda nos olhos
Legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente
Seu moço!
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato
Acho que tá rindo
Acho que tá lindo

De papo pro ar
Desde o começo eu não disse
Seu moço!
Ele disse que chegava lá
Olha aí! Olha aí!


Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí
Olha aí!
E o meu guri!...

07 janeiro 2009

Enquanto faço conjeturas sobre poesia o Oriente Médio vivencia mais um conflito... Portanto, aos radicais islâmicos e ao governo israelense dedico com "carinho" Pink Floyd:


Poesia

Carlos Drummond de Andrade ao ser perguntado certa vez o porquê escrever poesia, respondeu ser esta a forma mais 'fácil' que ele encontrou para expressar-se. Poesia sempre me pareceu 'difícil', embora difícil não seja a palavra ideal para definir a minha relação com essa forma especifica de arte. Gosto de alguns poetas, mas acho complexo fazer juízo de valor ou coisa do tipo. É necessário, acredito, compartilhar do mesmo universo que o poeta para melhor endetendê-lo, é preciso identificação. Bom, esse é o primeiro de uma série de posts em que pretendo compartilhar os poetas e poemas com os quais me identifico.



Isto

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!


(Fernando Pessoa. In: Cancioneiro)

06 janeiro 2009

Antes tarde do que nunca

Nem tudo na arte contemporânea é desprezível. Recentemente eu mesmo escrevi um texto para o Mistureba sobre um artista desse período que muito me impressionou. Postarei este texto aqui para compravar que não sou nenhum acedemicista, ou defensor de estéticas convencionais. Em suma o texto:







Estava navegando nas correntezas, um tanto quanto tranqüilas, desse estranho e vasto oceano ciber. Quando me deparei com a história de um pintor estadunidense contemporâneo de nome Jean Michel Basquiat. Eu que até o momento cria ter um repertório decente em artes plásticas me surpreendi com o fato de desconhecê-lo completamente (!), nunca havia lido ou ouvido algo sobre ele... Mais um artista que não fora reconhecido em vida, como tantos outros? Conjecturei. Mas não, Jean Michel teve sim um grande reconhecimento em vida como comprovam as inúmeras exposições em galerias e capas de revista relevantes internacionalmente. Talvez tenha sido ofuscado pelo ‘gênio’ Andy Warhol – de quem se tornou amigo –, e caído, por fim, no ostracismo típico de uma geração que tem pouca ou quase nenhuma memória? Pois bem, indagações que procuram em vão justificar a minha ignorância!

Mais criativa que a versão de Duchamp

Abro um parêntese aqui, portanto, para salientar um pouco da biografia de Basquiat. Nascido em 22 de dezembro de 1960, no Brooklyn (NY) era filho de mãe porto-riquenha e pai haitiano. Por volta dos 17 anos começou, juntamente com um amigo, a grafitar em prédios de Manhattan, e o teor das mensagens começou a chamar atenção das pessoas... Em 1978, um ano depois de “debutar” no grafite, Jean Michel saiu de casa e da escola, mudou-se para a cidade onde começou a trabalhar nas ruas vendendo camisetas e postais para sobreviver. Já no início da década de 80 ele ascende ao status de artista, ganhando notoriedade internacional. Os anos que se seguem são de inúmeras exposições e capas de revistas como a The New York Times. Entretanto, em meio a todo este sucesso – pouco comum, aliás, nas artes plásticas que têm por hábito cultuar os mortos –, Basquiet se torna um paranóico viciado em drogas. Enfim, como pôde ser intuído a partir do primeiro parágrafo ele está morto, e há muito tempo. Morreu em 1988, vítima de overdose aos 27 anos e horas depois de ter um quadro arrematado por 300 mil dólares...

Mais uma vez fico consciente de que “só sei que nada sei” tal qual o velho Sócrates (apesar de ser este um axioma falacioso, ou seja, se afirmo ‘só sei que nada sei’, significa, afinal, que sei algo: o nada!) Delírios à parte, é válido conhecer um pouco mais sobre a trajetória desse artista “que saiu do meio das ruas para se alojar dentro de galerias e museus de Nova Iorque”. Como se diz popularmente, antes tarde do que nunca.

A Pop-pobre Arte

Volto mais uma vez a um tema muito caro a mim, a arte contemporânea. Como pode ser percebido por meio do post anterior sou um daqueles que acham necessário certa ponderação e principalmente análise crítica às obras artísticas concebidas pós-Duchamp e seu ideal de anti-arte. No entanto para dar continuidade a essa série de quimeras (superficiais, retóricas etc, mas necessárias a minha própria organização mental) ouso escrever sobre um outro mago e paradigma do século XX: Andy Warhol.

Assim como por Duchamp nutro pelas obras de Warhol uma desconfiança. É demasiadamente irritante ouvir e ler por aí (mesmo quando são pessoas sensatas a falar e escrever) afirmações que insistem em proclamar a grandiosidade artística e intelectual do fomentador da pop art. Mais um ‘fazedor de arte’, como inúmeros espelhados por esse mundo. Essa é a minha opinião sobre Andy de forma direta e clara. Indireta e retoricamente eu afirmo ser ele um homem inteligente que soube manipular astutamente os formadores de opinião e imprimir, ou melhor, instaurar um período de mega industrialização da arte, um segundo momento do processo inaugurado por Duchamp. Os pensadores da Escola de Frankfurt teciam criticas atrozes sobre a industrialização da Arte (Indústria Cultural) e a conseqüente perda do status de arte dessa obra reproduzida largamente – uma vez que esta perde a “aura” que lhe credita com tal status. Só posso imaginar Adorno e Horkheimer enfurecidos em algum umbral filosófico por aí.
Divagações à parte, é claro que a obra de arte é um objeto e desde há muito tempo é comercializado. Também é pertinente dizer que muitos artistas se tornaram empregados do mercado internacional de arte como Picasso e Salvador Dalí, para ficar em dois nomes expressivos. Mas também é fato que tanto o primeiro quanto o último possuíam propostas estéticas, trabalhos e construções de significações mais complexas que àquelas criadas por Andy. Aliás, para não ser injusto até digo que uma obra de Warhol é digna de análise: a Sopa Campbell. É interessante perceber que ele ousou reproduzir o indivduo (Marilyn Monroe, por exemplo) e individualizar o industrializado. Algo interessante, embora não merecedor de tanto culto.
Enfim, termino mais este post com um trecho do artigo de Luciano Trigo, colunista blogueiro do G1: “Se Duchamp foi decisivo para o salto conceitual da arte, que passou a dispensar suportes e até mesmo a “mão” do artista (o que teve desdobramentos infinitos), Andy Warhol (1928-1987), por sua vez, revolucionou a relação entre arte e capitalismo: se a arte sempre foi também mercado, a partir dele passou a ser principalmente mercado: o êxito (não apenas comercial, mas também midiático, pois o artista deve ser uma estrela) se tornou o critério exclusivo da qualidade da obra, não sua conseqüência eventual. Isso explica, aliás, por que a crítica de arte perdeu importância: ela não tem nada a acrescentar a uma relação que já está dada, é tão inútil quanto buscar um sentido estético no sobe-e-desce das ações da Bolsa de Valores.” (O pensamento vivo de Andy Warhol. Acesso em 5 de janeiro de 2009. Disponível em: http://colunas.g1.com.br/maquinadeescrever/2009/01/04/o-pensamento-vivo-de-andy-warhol/ )