10 junho 2009

Idealismo, existencialismo... Jornalismo! E outros ismos mais

Com freqüência discutimos a pertinência de termos como neutralidade e imparcialidade quando aplicados ao jornalismo. Ideal. Acreditar na possibilidade de tal idealização é alçar o sujeito jornalista a uma categoria além do homem, divina. Nem aos deuses, nas mais variadas narrativas mitológicas, imparcialidade e neutralidade se aplicam. Zeus é testemunha disso. Jornalista é Deus. Pensado idealmente cabe ao repórter a função de Pai onipotente, presente e contundente. Justo. À imprensa devotamos a nossa fé no real como se não se tratasse ela, imprensa, de uma instituição. Falha. A sacra instituição e seus ortodoxos crentes se auto-proclamam os reprodutores da realidade, espelho veneziano do meio social. Opaco. Muito mais que reflexo do real a imprensa o constrói. O discurso constrói o mundo.

Ao jornalista deificado resta à árdua (?) tarefa de empenhar-se na manutenção da pretensa objetividade. Aos jornalistas, aliás, podemos agrupar em três grupos. Amorfos. Alguns alienados pela própria sagacidade profissional tornam-se defensores ferrenhos de tão escabrosa possibilidade do imparcial indubitável. Ufanistas da profissão, eles serão sempre os primeiros a, orgulhosos, rechaçarem as críticas e demonizar o outro. Nestes espécimes ingênuos persevera a ambição de apagar os traços da subjetividade em detrimento a utilização da terceira pessoa que “garantiria formalmente a impessoalidade do discurso, tendo-se como resultado um discurso esvaziado, que acaba por ocultar o processo social que possibilitou a notícia.” Jornalista que o é de fato desnuda-se de sua biografia sempre que estiver em ‘horário de trabalho’. O ser humano é um ser histórico-sócio-cultural. Jornalista é factual.

Também há aqueles não muito convictos do discurso institucionalizado e da pregação persistente (insistente) que até duvidam da validade universal dos preceitos miraculosos, contudo não ousam rebelar-se. Reformas, talvez. Mas não revoluções. Medrosos! Acusaria alguém menos compadecente. Antes das sentenças, no entanto, ouçamos os argumentos, ou procederemos como a própria imprensa e estamparemos nossas capas com conjecturas apriorísticas? Veja. Isto (não) é simples. Pois bem, aos jornalistas duvidosos do ideário jornalístico, porém ativos participes da construção desse mesmo ideário, podemos comparar ao católico por convenção. Sabe como é: identifica-se como católico freqüentador das missas dominicais, confessa assiduamente, até saboreia a comunhão sem mastigá-la, faz a penitencia, caridoso... Mas ainda sente certa dúvida sobre a honradez mariana e até mesmo da existência de Cristo. Duvida. Mesmo assim é mais fácil permanecer o mesmo, na zona de conforto, a questionar verdades milenares. Assim, procede essa estirpe de jornalista, para eles é mais fácil permanecer o mesmo a abandonar o lugar a mesa. Pai por que me abandonaste?! Não antes de o galo cantar.

E por fim, nos restam à minoria (?) de hereges-revolucionários que apreendem para si a função de desestabilizar, colocar em crise o status quo. A esses a palavra não se revelou, mas ocultou-se. Aos hereges, cientes do mistério da linguagem e sua inerente polifonia polissêmica restou a fomentação do incipiente Kaos. Fato? Coisa construída. O em si da notícia é compreendido como o para si do mercado. Inferno é um outro. Eu duplo. Mais-valia saber que a "neutralidade não existe (afinal, o jornal é uma empresa que vende uma mercadoria chamada notícia)”. Se não existe logo não há essência. Logo será de conhecimento público que a corte está nua. Enquanto isso, entre perseguições e reprimendas. Torquemada. Os hereges em posse de dispositivos literários amplificam os campos semânticos, faz falar as vozes (dissonantes) em um mesmo discurso. O novo jornalismo reconhece-se como uma variante da construção do real. Não há única. O social deixa de ser fotografado para ser pintado. Sujeitos em atividade. Ao jornalista o retorno à humanidade.