Mais de um ano. É esse o tempo que transcorreu desde a sua morte. Foda. Ainda dói, às vezes intensa e profundamente, em outras é fraquinha, apenas um lembrete do que perdi, acho. Mas pra que escrever essas coisas sentimentais, se você não poderá lê-las. Ah, amor. Escrevo para mim. Para não esquecer de você e, sobretudo, não esquecer de mim.
Esquecer. Tenho medo desse processo que teima em vitimar - eu gente humana, embora muitas vezes não pareça – a mim, e a todos os outros que ainda vivem. Os mortos, penso, não sofrem de tal moléstia.
Pois bem, não é que ontem me dei conta que você começa a se apagar em minha memória?! É. Seu riso – que tanto amo – já não me vem tão facilmente, requer algum tempinho de procura em meio a tanta zona sombria, e sua voz, com certeza, não ecoa com o mesmo vigor dentro desta minha caixa craniana... Fico realmente triste ao constatar isso. Aliás, mais triste ainda fico em pensar que esquecê-la significa esquecer parte do que vivi. (Uma boa parcela morreu e foi enterrada juntamente com o seu cadáver, como disse a muitos, naquela época).
Neste momento repasso muito do que vivenciamos juntos, os tantos momentos de amizade, as conversas em sala de aula, as horas no telefone e as confidencias murmuradas, a compreensão... Vivemos tanto! É revoltante saber que me esquecerei de tudo: das gargalhadas que vinham em ondas incontroláveis, verdadeiras convulsões de alegria, mas também do choro, igualmente, incontrolável, fértil... Daqui a alguns anos nada passará de uma, talvez nem isso, lembrança difusa? Quem sabe um nada?
Temo, amor, temo. Ao que tudo indica acabarei por matá-la, ajo, sem querer, claro, como aquele câncer... Engraçado, você que era de câncer!... Enfim, mas se, por ventura, eu realmente assassiná-la, não foi por maldade, por querer. Foi a vida. Viver tem dessas coisas: mata as pessoas que amamos com a mesma impiedade que nos mata, né? De qualquer forma, me faça um último favor, não solta da minha mão... Se lembra? Como naquela música... Não solta de minha mão.
02 julho 2010
Para regozijo do amigo Flávio (acessem o Hammer Philosophy, o link está logo ali ao lago), posto o meu (?!) pseudo-conto mais indecente:
O Hedonista
Gozei. Mas como das últimas vezes esse gozo não me trouxe prazer e sim vazio. Há alguns meses tenho me sentido assim após o gozo, o êxtase sexual. Essa espécie de vazio parece se adensar, sinto-o maior e mais potente cada vez que ejaculo. Não sei o que está acontecendo e os médicos também não sabem, será uma nova patologia, daquelas raríssimas que acometem uma pessoa em milhões? Pouco provável segundo os ‘doutores’ por mim consultados – e eu fiz esta mesma pergunta a vários, das mais distintas especialidades.
O pior de tudo é que este ‘sentir-me vazio’ tem interferido nas minhas atividades sexuais... Trepar, que é sem dúvida o meu maior prazer, se tornou e está se tornando cada vez mais em um ato de terror, de fobia. Estou em meu intimo humilhado comigo mesmo. E curioso: a minha humilhação não advém da minha incapacidade de dar prazer ao outro, por uma razão quase simplória: o outro continua sentindo prazer em transar comigo. A minha humilhação surge no momento em que não consigo sentir prazer; no instante no qual não consigo fornecer ao meu organismo e a minha alma o tão ansiado êxtase.
Apesar de jovem sinto-me decrépito, pois poucas coisas na vida de um homem são tão importantes quanto o sexo. Foi para copular-mos que nascemos. Segundo as tradições judaico-cristãs quando Deus nos criou Ele teria dito: “Crescei e multiplicai-vos”, ou seja, o Criador nos ordenou copular e não a produzir conhecimento, filosofias ou tecnologias. Ele (Deus) nos forneceu a coisa mais importante, o mais perfeito mecanismo animal: o órgão sexual!
(Lógico que se você for um racionalista dirá que o mais perfeito órgão é o cérebro. Realmente ele é uma bela máquina, mas não se compara a uma vagina ou um pênis... Você já percebeu o quanto o seu órgão sexual te oferece de júbilo? E em detrimento a esta satisfação ofertada o quanto o seu cérebro te traz de problemas, questionamentos e nada além de infelicidade. É por isso que digo: o futuro da humanidade reside na nossa capacidade de ejacular e não de pensar!).
Sim, eu sou um hedonista se é isso que está supondo... E não me sinto nada constrangido em assumir essa opção, como direi, de vida. Aliás, além de hedonista sou artista. E para mim uma coisa é imanente à outra, não creio em arte sem hedonismo e todo hedonismo produz arte. (Mais uma vez você racionalista argumentará: Mas a arte é produzida pela razão! Ao que eu, serenamente, responderei: Não, a arte é produzida pelos os nossos mais ancestrais instintos animalescos, portanto irracional).
Durante toda a minha vida – nossa que exagero o meu, até parece que tenho setenta anos quando na verdade possuo vinte e cinco! –, eu tenho vivido de maneira intensa os “prazeres” que a existência têm me concedido. Sou rico, bonito, famoso e um artista consagrado; e o que é mais importante, em minha opinião, tenho transado com as mulheres e os homens mais desejados deste país. Não há nenhum destes ‘símbolos sexuais’, femininos ou masculinos, que não tenha passado por minha cama...
(Há-há! Aposto que o choquei, caro leitor, ao revelar que TREPEI com homens e mulheres?! É que eu não perco tempo com essa história de nomenclaturas: hétero, homo, bi; para mim são todos a mesmíssima coisa, o que importa mesmo é o sexual.)
Porém, como estava relatando antes, nos últimos meses algo de muito estranho tem acontecido comigo... E este ‘algo estranho’ tem-me deixado, sobretudo angustiado. Se eu fosse um destes “românticos” diria que esse vazio que sinto se deve ao fato de não amar, de não compartilhar com ninguém os meus sentimentos ou lamúrias parecidas com estas. Mas como não sou e nunca fui romântico a única explicação é que não há explicação. Sendo assim algo inexplicável, me abstenho em humildemente, prosseguir com a minha rotina de prazeres... Não será uma impressionabilidade qualquer de vazio, ou coisa que o valha, que irá interromper o meu ciclo hedonista! Muito pelo contrário, foi a partir do momento em que comecei a me sentir assim, que intensifiquei ao máximo a minha interação com tudo que me dá, (adoro esse verbo!), ou melhor, me dava prazer. Essa é a minha esperança: vencer o vazio pela plenitude e exacerbação hedonística!Confesso que este método de tratamento não tem surtido efeito, ainda... Mas prosseguirei assim mesmo.
Bom, uma vez que revelei tudo o que sou a vocês; aproveito a ocasião para confidenciar-lhes que receio que esse sentimento de vacuidade, seja na verdade uma profecia da morte. Estou a tal ponto convencido de minha morte prematura que... Ahn... Que me tornei mais religioso. Agora, mais do que nunca tenho tentado crer em um Deus e toda essa presepada metafísica. Não tenho me adaptado bem aos dogmas, mas estou perseverando. Aliás, antes que me esqueça: agora sou um mulçumano. Por que, você deve estar se perguntando. Oras muito fácil, quando estiver realmente convencido do meu fim, quero cometer um sacrifício – vou me explodir em uma grande biblioteca e matar comigo o maior numero de intelectuais possível! – para me tornar um mártir e consecutivamente um querido de Alá. Só assim Ele me concederá um Paraíso com setenta e duas virgens! Existe vida após a morte mais hedônica do que essa? Acho que não. Mas caso você saiba de alguma, por favor, me informe quem sabe ainda tenho tempo de mudar de crença, não é?
Agora, darei continuidade ao que fazia antes de me interromper para contar-lhes a minha história: está na hora de mais uma sessão de onanismo... Ah!? Quem sabe não nos encontramos por aí... Desde que me ofereça o Prazer, é óbvio...