21 julho 2009

Dúvida


Enfim “Dúvida” filme que há algum tempo – desde que li sobre ele e vi parcas cenas em programas sobre cinema – ansiava por assistir... Pois na noite de hoje na companhia do Flávio e imersos em expeça bruma de fumaça de cigarros (com filtro branco) tive o prazer de me deleitar com as atuações de Meryl Streep, Philip Seymour Hoffman e Viola Davis. Grandes atuações, sem dúvida esse é o “ponto alto” do filme, embora o roteiro e a fotografia sejam primorosos.

No entanto quero voltar às atuações. Meryl Streep e Philip Hoffman não têm que provar mais nada acerca da capacidade interpretativa uma vez que já o fizeram, respectivamente, em A Escolha de Sofia e Capote. Dessa forma a surpresa para mim ficou por conta de Viola Davis. Sensacional.


Como em apenas uma cena, talvez em menos de 10 minutos, a formidável (adjetivos são necessários, perdão) Davis conseguiu expressar sentimentos tão adversos e profundos quantos os exigidos para aquele instante?! Não sei, mas foi incrível assistir a seca e pérfida (?) freira, personagem de Meryl acuada pelo arrombo de medo, raiva e incredulidade de uma mãe pobre (e negra diga-se en passant por ser esse fator relevante como é de se esperar de um filme estadunidense). Ótima cena, mas a seqüência não deixa por menos. Mais uma vez a freira é confrontada, e dessa vez pelo padre, um superior na hierarquia religiosa, interpretado por Philip. Contudo diferente da situação anterior na qual por espanto ela não reage, o embate aqui já era esperado. Isso poderia ter deixado a cena fria ou óbvia, mas por mérito dos atores mais do que do diretor ouso conjecturar, tudo transcorre intensamente. Há de se notar o altruísmo da Meryl Streep que serve de “escada” para o brilhantismo dos companheiros de cena, característica ou delicadeza que parece intrínseca aos grandes interpretes. Mas tenho que fazer justiça e afirmar que o final é só dela: é a reafirmação da superioridade das dúvidas frente às certezas incontestes.
Sinto (e essa é a expressão mais pertinente em contraposição ao pensar) que a Dúvida não pode ser visto uma única vez. Tentarei antes do término das férias assisti-lo e me deleitar com as minhas dúvidas.

18 julho 2009

07 julho 2009

Louco

Já fui gordo. Já fui magro.
Já fui ego. Já fui id.

Já fui o que quis e o que não quis.

Já fui muito. Já fui pouco.

Hoje tenho a sensação
que não passei de um louco.

(Rodrigo Leão)


Em tempo: Estou assistindo o show/funeral do Michael Jackson. Emocionante. Nada como o soul, a melancolia dos negros estadunidenses é... Incrível! Isso sim é interpretar. Cantar qualquer um o faz, interpretar é para os priveligiados. Até o final da cerimônia é provável que eu chore.

Se os tubarões fossem homens (Bertolt Brecht)

Se os tubarões fossem homens, perguntou ao senhor K. a filha de sua senhoria, eles seriam mais amáveis com os peixinhos? Certamente, disse ele. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e tomariam toda espécie de medidas sanitárias.

Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, lhe fariam imediatamente um curativo, para que não morresse antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem melancólicos, haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres tem melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar para a goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar. O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam evitar toda inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista, e avisar imediatamente os tubarões, se um deles mostrasse tais tendências. Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, iriam proclamar, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não podem se entender. Cada peixinho que na guerra matasse alguns outros, inimigos, que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de argaço e receberia um título de herói. Se os tubarões fossem homens, naturalmente haveria também arte entre eles. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores soberbas, e suas goelas como jardim que se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos nadando com entusiasmo para as gargantas dos tubarões, e a música seria tão bela, que seus acordes todos os peixinhos, como orquestra na frente, sonhando, embalados, nos pensamentos mais doces, se precipitariam nas gargantas dos tubarões. Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa apenas na barriga dos tubarões. Além disso, se os tubarões fossem homens também acabaria a idéia de que os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores poderiam inclusive comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles teriam com maior freqüência, bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, construtores de gaiolas, etc. Em suma, haveria uma civilização no mar, se os tubarões fossem homens.